Onde beijar não é normal

Toda novela é o mesmo lenga-lenga, na cota destinada ao núcleo gay a uns resta ser simpáticos e definharem numa aceitação mórbida do público (Paraíso Tropical) ou caricato para garantir o humor (Duas Caras), mas é sempre ao fim da trama que mora a questão; onde há um casal gay há o rumor do inédito beijo homossexual. Ao desfecho do folhetim entre casamentos e mortes de vilões, há o suspiro aliviado de quem não presenciou a bárbarie contra a família e o suspiro de lamento de quem acredita que o beijo gay entre iguais figura apenas como um manifesto de amor e desejo, sentimento comum à todos humanos independente de sua orientação sexual.

"Apesar da novela colocar cenas de homossexuais, ela não coloca a questão do desejo, do corpo, sexual. Na novela Páginas da Vida, onde poderia haver mais intimidade, o diálogo dos dois sempre ia para a comida. Um deles fala 'senti sua falta' e logo em seguida 'tá sentindo o cheiro do feijão?'. Nunca vai para o lado do desejo, do senti sua falta, falta do seu corpo, do seu pêlo, no caso do homossexual masculino. Não existe espaço para isso. Apesar da Globo dar uma voz ao sujeito homossexual, ela é mesclada. Traz um sentido novo, mas continua a mostrar um sentido cristalizado pela ideologia, da homossexualidade como desvio, doença, pecado", diz Carla Krauss Lima, jornalista e mestre em psicologia pela Faculdade Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ao jornal O Povo.

Aguinaldo Silva, autor de Duas Caras mostrou à imprensa a cena escrita por ele para constar no episódio final e cumprir com o destino de seus personagens gays:

"O cartório engalanado. Flores e flores. O escrevente proclama entredentes.
Escrevente: Em anos de serviço, nunca vi tanta frescura. E agora, se quiserem assinar no livro... E assim eu os declaro casados! E como é de praxe nessas ocasiões, que se beijem os noivos (irônico).
Bernardinho: Eu não ia abrir mão dessa parte mesmo.
Juvenal: Claro que não. Casou, tem que beijar. Os convidados todos embarcam no coro: beija, beija...
E então Bernardinho e Carlão se aproximam e se beijam sob os aplausos de todos da Portelinha."

A cena só irá ao ar se a cúpula da Globo permitir, diz a coluna Outro Canal da Folha, a coluna ainda afirma que a emissora sofre pressão por parte da igreja católica para que a cena não vá ao ar. A evangélica Rede Record promete sair na frente, e diz que acaso sua rival se disponha a mostrar a cena, fará antes no final de Caminhos do Coração, na próxima segunda, dia 2, o que viria a ser o primeiro beijo gay da tv brasileira.

A considerar o tema da última Parada Gay em São Paulo, a homofobia e o evidente alcance da teledramaturgia em todo país, seria um exercício para as mentes conectadas ao televisor supor o tal beijo gay como um ato casual, uma simples carícia entre um casal de namorados.

Tratar esse assunto como uma aberração, uma anormalidade é fomentar o preconceito e crimes fatais que engrossam as estatísticas. As emissoras, a serviço da sociedade brasileira, tem em mãos a possibilidade de uma lição de cidadania em plena audiência de seus horários nobre.

Zeca Bral não pretende render audiência ao capítulo final de Duas Caras, tampouco a novelinha dos mutantes, mas se cair no YouTube até topa!

UPDATE: Assisti ao ultimo capitulo da tal novela, e dai que entre um bocejo e outro vi sem surpresa a cena gay em questao e eles nao se beijaram. A igreja catolica que perdeu no ultimo capitulo da novela "Celula Tronco" deve ter celebrado o desfecho desta aqui. G-zuis!

FOTO MONTAGEM: Zeca Bral [ sxc.hu + divulgação ]