30 maio 2008

ALGO DE ÍNDIO HÁ EM VOCÊ.

Jornais e sites hoje estampam a notícia fascinante:
uma expedição aérea realizada pela Frente de Proteção Etnoambiental da Funai (Fundação Nacional do Índio) fotografou pela 1ª vez um povo indígena que vive isolado e possivelmente nunca teve contato com a civilização. 1.200 foram tiradas na ocasião e são o primeiro registro visual dessa etnia.

A tribo vive na divisa do Estado do Acre com o Peru. "As coordenadas geográficas eu não digo por nada, nem para a Funai. Não queremos que a civilização chegue até lá", disse o coordenador da expedição, José Carlos Meirelles, que somente divulgou o fato para mobilizar órgãos e população para a preservação cultural e manutenção de território de origem desses povos.

Boa notícia: ainda hoje eles continuam suas vidas normal e naturalmente, exceto pela visitinha do OVNI e prejuízo de algumas flechas atiradas em defesa.

Li a reportagem na Folha e fiquei me perguntando: por que a maioria de nós sabe bem pouco e se baseia em clichês para interpretar os índios? Pra você eles são seres exóticos que vivem no mato sem grande ligação com sua vida? Rá! Engana-se.

Pará, Paraná, Pernambuco, Paraíba e outros Estados têm nomes indígenas. Várias cidades e municípios também. Talvez o seu. Abacaxi, beiju, capim, capivara, cipó, guaraná, guri, jacaré, jaguar, jibóia, mingau, mutirão, perereca, peteca, pindaíba, pipoca, siri, tabaco, urubu… As palavras indígenas são constantes no nosso cotidiano. A cada conversa sua, várias delas são ditas.

E por quê nossa relação com a cultura e as origens indígenas é tão distante? E como elas vêm sendo mascaradas não só pela enorme miscigenação de raças no país, mas por determinação política histórica?

Calma lá. Primeiro tenho que convencer você de que isso acontece. E é fácil. Pense que o Brasil tem uma herança indígena fortíssima e indiscutível, em todos os aspectos, mas os brasileiros não carregam essa herança em sua mente e raramente criam e mantêm laços com ela. E olha que você tem grande chance de ser descendente de índios. Eu sou.

Quando os portugueses chegaram aqui, havia entre 5 e 6 milhões de índios no Brasil. Das relações de portugueses com índias surgiram os 1ºs mestiços - os mamelucos. E aí chegaram os escravos africanos para dar origem aos mulatos, cafuzos e pardos. Agora saímos da colonização e chegamos em 2000, ano em que o censo declarou haver pouco mais de 700 mil índios no Brasil - menos de 1% da população. Mas aí tem furo. O entrevistado que se declara moreno, por exemplo, é classificado como pardo. E pardo é quem manteve características típicas dos índios ou apresenta sinais nítidos da mistura de raças, o que corresponde a 40,4% da população brasileira. E pra furar mais ainda, uma pesquisa realizada pela UFMG constatou cientificamente que a cada 100 homens e mulheres brancos de regiões e origens sociais diversas, 39% têm linhagem exclusivamente européia (fino!) e os restantes 61% são frutos da miscigenação (33% com índio e 28% com preto). Imagine quando amostras do DNA de pardos e negros forem analisadas. Dá-lhe índio!

Mas quem tem interesse em empurrar pra debaixo do tapete as raízes indígenas do povo brasileiro? E pra quê interferir em nºs para convencer o povo de que suas raízes não são indígenas? Muitos sociólogos afirmam que esta decisão foi/é política. E aqui vai um fato que valida isso: o Marquês de Pombal em 1758 proibiu o uso do tupi e instituiu o português como única língua do Brasil. Até então falava-se uma língua aprendida com os índios, o "nheengatu", uma variação do tupi com sotaque português.

E além da repressão à cultura indígena, a história do Brasil grava ameaças físicas e reais - terras invadidas por estrangeiros no início da colonização, escravização e discriminação. E ainda hoje, a questão territorial continua massacrando os índios brasileiros.

Zé Simão quarta (28/05) na Folha questiona se os índios brasileiros serão dizimados como os americanos. E com seu humor negro afiado, lança: “Sabe o que o caubói falou pro apache? Cala a boca, porque vocês não ganham uma há mais de 20 filmes.” E o coordenador da expedição comentada lá em cima, Meirelles, declara: “infelizmente, a sobrevivência deles depende de nós agora".

É, caros amigos, não acho que devemos pintar o rosto e protestar em Brasília. Mas seria interessantíssimo pesquisar a cultura indígena e, dentro do possível, mantê-la viva. E que tal uma escaladinha na sua árvore genealógica?

Um comentário:

  1. Isa, arrasou no post!
    Assunto de graaande calibre, e sua arma esta apontada na direcao certa.
    Negamos o Brasil o tempo todo, tipico para uma nacao colonizada e estuprada como a nossa, mas eh inegavel que isto nos prejudica, pois ficamos assim, sem uma identidade e sem saber defender os nossos interesses. Os conflitos que se dao em Roraima agora (entre os indios e arrozeiros)eh de uma dimensao coronelista que nao podemos calcular. Eh o Brasil que nao enxergamos do lado urbanizado, mas que sustenta parte dos lucros de alguns traficantes, coroneis e politicos do Oyapoki ao Chui desta nacao.

    Avante!
    Abracao, Zeca Bral

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